Salve a arte e a moda celestes!

Salve a arte e a moda celestes!

Maria Judith Possani
Repórter

Seria a religiosidade a última moda no mundo fashion? Que Jesus Cristo, Maomé e Xangô perdoem a “heresia”, mas a resposta é sim. Já faz algum tempo que as influências de várias religiões estão presentes no vestuário feminino e masculino. Ainda em 1994, surgia a grife Complexo B, cuja peças com a figura de São Jorge são, até hoje, carro chefe nas vendas. Ultimamente, os consumidores brasileiros têm se deparado com influência ainda mais forte das imagens sacras, e principalmente dos santos de ajuda imediata e de causas impossíveis, como Santo Expedito e Santa Edwirges.

“Mais precisamente de cinco anos para cá, o mercado de moda no Brasil passou a explorar o misticismo e o patriotismo, justamente pelo país ser conhecido, em todo o mundo, pela fé e pelo futebol”, diz o estilista e produtor de moda juizforano Marcelo Mostaro, organizador do evento de moda e arte, “Estação dos santos”, que acontece amanhã, no Armário de Georgete. “Os santos deixaram de ser meras imagens para tornarem-se pop-art estampada em qualquer camisa”, completa.

Em Juiz de Fora, a tendência também está estampada nas criações exclusivas da estilista Dani Brito. Há um ano, ela lançou a grife Mercado da Salvação, durante o Fashion Days, na cidade. “Descobri que a satisfação e o desejo são o que motiva as pessoas a essa ‘devoção’, consumindo produtos que antes eram direcionados apenas a comunidades religiosas”, diz a estilista formada em Artes pela UFJF. Segundo Dani Brito, sua moda “fashion” é adquirida pelos mais diversos tipos de pessoas, independentemente de religião ou crença. “As pessoas estão sempre em busca de novas idéias e de novas identidades”, argumenta Dani. Hoje, a produção está pequena para atender às encomendas.

A coleção do Mercado da Salvação brinca com imagens sacras, trabalhadas com brilho e bordados, aplicadas em malha e cetim.

‘Estação dos santos’
Com toda a proteção divina, o evento deste sábado será uma junção de arte, moda e um quê de religiosidade, ainda que não estejam estabelecidos os limites entre o sacro e o profano. Estação dos santos marca a conclusão da segunda turma do curso de Produção de Moda e História da Indumentária do século XX, ministrado por Mostaro.

O estilista promete transformar a sede do Armário de Georgete em uma igreja barroca. Para isso, já está na fase final a montagem de seis altares dedicados cada qual a um santo. Os mesmos foram concebidos pelas alunas do curso. O altar de Pillar Melo, inicialmente, seria uma homenagem a Frida Khalo. “Depois que surgiram os santos como tema central do evento, resolvi adotar a Virgem de Guadalupe, que é do México (país onde nasceu Frida)”, explica Pillar.

A moça lançou mão de um sombrero enfeitado com penas mexicanas, uma coroa de santo, miniaturas de bonecos de plástico pintados de vermelho, como se estivessem sangrando, preto no vestido que veste o manequim e detalhes em vermelho. “Fiz, também, um link de Frida com o pintor americano Mark Ryden, igualmente adepto deste tema infanto-sinistro”, diz a produtora de moda.

Neste mix de instalação de arte e moda, que ainda ganha um toque luxuoso com relicários da artista plástica paulistana radicada em Tiradentes, Inés Zaragoza, haverá também um desfile, espécie de performance com as modelos saindo dos altares para o contato direto com o público. Cada aluna do curso de Mostaro elaborou três produções com peças das estilistas Bia Simões (Armário de Georgete), Simone Iunes Cortez (Primeiro as Damas) e Nívea Heluey (Salve a Rainha), que aproveitam para mostrar, nesta performance, seus lançamentos para a primavera/verão 2006/2007.

Bia Simões inspirou-se na mineiridade barroca para a nova coleção de sua moda em tricô. “As cores como vinho, bronze e verde são barrocas, bem como algumas estampas que lembram relicários, além de babados e rendas feitos à mão”, diz ela. As roupas do Armário de Georgete contrastam com o vintage do brechó Primeiro as Damas e com a linha de tecidos nobres da grife Salve a Rainha.

O final de tarde e início de noite deste sábado terão de trilha sonora música colonial barroca com batida eletrônica. Segundo Marcelo Mostaro, até a maquiagem será barroca. “As modelos usarão muito pó nos rostos. No período do Barroco em Minas, a mulher da elite era branca. Por isso usava-se muito pó-de-arroz”, explica Mostaro. De acordo com o estilista e produtor, no coquitel, serão servidos, entre outros quitutes, mandioca frita e coquetéis à base de pinga. Na parte externa da loja/teliê estará exposto um varal com orações, no melhor estilo literatura de cordel.

Relicários de Inés Zaragoza

Filha de mãe francesa e pai espanhol - o artista plástico e publicitário José Zaragoza (o Z da agência DPZ) -, a brasileira Inés Zaragoza retrata o folclore e a religiosidade de seu país com uma obra inusitada, por ela intitulada “Relicários”. Seus trabalhos chegam a Juiz de Fora depois de passarem por São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador e Paris.

Curiosamente atéia, Inéz apresenta uma releitura de antigos santuários e oratórios, que propõe tirar os santos do ambiente austero das igrejas e recolocá-los no dia-a-dia das pessoas comuns, devotas ou não, de uma forma alegre e delicada (mesma proposta da moda).

A arte de Inés nasceu de sua paixão pela cultura popular e foi tomando forma ao longo de seis anos de pesquisas e viagens pelos cantos mais remotos do país. As festas religiosas e as manifestações culturais típicas de cada pequena cidade inspiraram e forneceram material, dando o tempero para suas criações.

Feitos a partir de pequenas caixas de madeira, os relicários da artista incrédula trazem imagens de santos católicos, orixás e até de Buda, misturando sucata, fibras naturais, medalhas, tecidos e miudezas. São decorados um a um, artesanalmente, com objetos que vão de lantejoula a pedaços de garrafa plástica. A atriz Regina Casé, a VJ Marina Person e a cantora Gal Costa estão entre os famosos “devotos” da obra de Inéz.

- Sábado, 22 de julho, a partir das 17h, no Armário de Georgete (Rua Machado Sobrinho 126/101 - Alto dos Passos).

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