A Moda referenciada na História do Design: afirmação de uma atividade projetual.

*por Diane Sousa da Silva Lima
foto – vestido americano 1862-64

O presente artigo vem a analisar o processo de surgimento do sistema da moda do ponto de vista da história do design com o intuito de legitimar o seu papel dentro da atividade projetual fazendo com que esta não seja mais encarada como anexo no que referencia ao acadêmico e, sim, como umas das mais precursoras atividades na trajetória do design durante a formação do período industrial. É perceptível atualmente um movimento maior da produção teórica científica de moda nos nichos intelectuais de design. Tal mobilização vem conseguindo trazer uma extensa conscientização sobre a importância da profissão do designer de moda, ao frear o preconceito abusivo, gerado pelo contexto fútil em que esta é envolvida – devido a sua intensa massificação – em que os profissionais da área são, em vezes, submetidos frente às demais atividades projetuais, de caráter menos volúvel.

Infelizmente, os conceitos pré-estabelecidos de divisões de gênero referentes à profissão, a vulgarização da palavra moda em diversos contextos ligados à frivolidade, acarreta aos profissionais e estudiosos o estigma de atividade mundana feminina e à parte do processo. O vestuário por ser um setor primordial no desenvolvimento do design, gerou o seu próprio sistema, ligado à mudança brusca e efemeridade, para um público burguês e em seu maior consumo feminino, que é a Moda. Dessa maneira o pensar masculinizado da sociedade contemporânea tende a segregar a produção da moda esquecendo da sua raiz histórica e mais ainda, desvalorizando os seus métodos de circulação nos meios, como nos figurinos das telenovelas e filmes, catálogos, revistas, desfiles, editoriais e etc. Ela passa a ser um sistema de fornecimento para principalmente, e não exclusivamente, o público feminino e devido a repulsa a esse contexto ainda presente no seio intelectual, tem a sua posição ilegitimada.

No sentindo de elucidar pura e simplesmente, busca-se a história para explanação dos fatos. A mesma divisão e ruptura existente entre o design e o artesanato onde um passa a projetar e o outro somente a produzir, sendo esse um dos marcos de caracterização fundamental do design, acontece na moda. Por volta de 1857, surge a alta-costura e a figura de um criador pela pessoa de Charles-Frédéric Worth, que vem a distinguir-se dos executores, alfaiates e costureiros, iniciando um processo de reelitização, frente à democratização do vestuário gerada pelo progresso industrial das confecções que permitiam à facilidade das cópias. Segundo Denis (1999) a industrialização primeiramente impulsionou-se com a fabricação de tecidos de algodão. O quase monopólio do comércio exterior que a Grã-Bretanha exerceu entre 1789 e 1815 possibilitou-os a praticamente sozinhos comercializarem em todo o mundo produtos como tecidos chás e louças, que trocados por escravos utilizados na plantação de algodão em países como Estados Unidos e Brasil, estimulava a indústria britânica a produzir mais e mais tecido. Uma vez exportados, retornavam ao ciclo, garantindo a cada novo intermédio um lucro exorbitante aos comerciários. Essa produção da indústria têxtil na Inglaterra ganhou tamanhas proporções que atingiu custos baixíssimos de execução, tornando-se acessíveis a uma grande classe de consumidores que antes jamais pensavam em adquiri-los. Essa situação inicia a era dos artigos de luxo, fruto da diferenciação que as mercadorias tinham que obter para atender ao público mais elitizado e sedento por distinção em relação a seus pares.

Com a evolução dos processos de mecanização nas indústrias têxteis, quem mais lucrava era o “designer” que ao projetar um único padrão decorativo de custo fixo, este sendo bem sucedido, podia ser veiculado e reproduzido de maneira ilimitada, fazendo desse setor um dos primeiros a se observar notável o emprego do profissional. A facilidade na reprodução gerou para a indústria o problema do plágio onde qualquer um poderia imitar o projeto tirando proveito do design alheio. Surgem assim as leis de patente e a figura do “designer” e da “marca”, elevando o sentimento do desejo no consumidor e, portanto o impulsionamento da compra. A imitação inicialmente promovida pela burguesia, classe em ascensão detentora de lucros, ávida por mostrar seu poderio, acontece no vestuário quando essa passa a querer se vestir de maneira semelhante à aristocracia, de títulos, aparência e iniciada decadência econômica. A elite para não se ver esteticamente igualada, renova a sua aparência, lançando outras tendências, garantindo a sua posição social e hierárquica, iniciando o ciclo da moda. Segundo Lipovestky (1989), “a moda também viria a servir como a expressão dos valores da cultura moderna, sendo o ideal e o gosto das novidades próprias da sociedade que se desprendem do prestígio do passado”, servindo tal afirmação para salientar que a origem da inovação não é somente uma característica social, é também intrínseca ao ser humano da sociedade moderna. Dessa maneira o sistema da moda lança seus primeiros meios de difusão dos fenômenos, ao utilizar inicialmente retratos pintados e bonecas que se difundiam da França em direção aos outros países da Europa e centros do mundo. Mecanismo caro surge posteriormente, no final do século XVIII, o journal de mode, dando margem ao aparecimento de revistas ilustradas com desenhos de modelos, que seriam adaptados e usadas geralmente pelas mulheres da alta burguesia.

Era corriqueiro também segundo Caldas (2004), até o século XIX, os magasins de nouvautés (lojas de novidades) onde eram distribuídos os artigos de moda na capital, que depois através da figura do caixeiro-viajante, tinham suas novidades como amostra de tecidos e aviamentos, levadas para as clientes abastadas do interior do país. Mas esse primeiro momento ainda não marcou a massificação da moda como a temos hoje. Após a segunda guerra mundial, a aceleração tecnológica das industrias possibilitou a área têxtil maior produção, e a resolução de problemas como a grade de tamanhos para fabricação em larga escala, facilitou a produção da roupa de qualidade em quantidade. Nasce assim o estilo americano de se fazer roupa, o ready-to-wear (pronto para vestir) traduzido e popularizado pelo francês prêt-à –porter. Surge assim um profissional que vem trazer a empresa o diferencial do estilo, da grife, da roupa com assinatura, produzindo, no entanto, em série: o estilista industrial. Este é caracterizado por ser seguidor de tendências, adaptando-as ao estilo do empreendimento que trabalha. Desenvolve-se então, um mecanismo industrial da moda com os birôs de estilo, o consultor de moda, os salões profissionais, revistas e todo um contexto midiático. O prêt-à-porter vem a ocupar o espaço da alta-costura, pela inacessibilidade de custo dessa ultima e pelo aparecimento das butiques, que trazem um conceito de modernidade jovem e sofisticado, comandando pelo novo estilista-criador (criador de moda), que desenvolve coleções prêt-à-porter com seu estilo pessoal.

Percebe-se, pois, que o que entendemos e vemos circular a respeito da moda são seus mecanismos de venda e de produção, frutos do seu próprio sistema, caracterizados pela efemeridade. A imagem primeira dos costureiros e alfaiates, depois do grande criador da alta-costura, do estilista industrial e mais recente do estilista criador, mostra a complexidade da estrutura e das necessidades que o consumo da moda criou. Após a derrocada da alta-costura o designer de moda (como generalizadamente entende-se hoje de acordo com o senso-comum) surge apontando seu papel dentro da atividade projetual que por preconceitos, e principalmente no Brasil, não é legitimado da mesma maneira como as outras variantes. Além disso, o fato de existir poucas academias especificamente de moda, possibilitando o estudo da sua história e do seu desenvolvimento produtivo, dificultou a transmissão dos saberes como algo não frívolo e sim de sistema efêmero com relevante importância na trajetória do design.

Até o final do século XIX, a vestimenta masculina era tão extravagante e impetuosa quanto a feminina. Após a Revolução Francesa há uma intensa simplificação da roupa de ambos os sexos que se mantém constante no vestuário masculino, mas que volta a exercer durante a Belle Époque , para a mulher, o caráter de ostentação. A figura do homem de negócios, ocupado demasiado para preocupações vestimentais corriqueiras, casa perfeito com a esposa ociosa burguesa, que vê no consumo da moda um tipo ideal de lazer. Interessante notar que é nesse período, como já visto anteriormente, que a moda começa a lançar os seus mecanismos de venda e de circulação, definindo para isso um público-alvo, mas não exclusivo, atendendo a essa camada mais propicia a compra. Isso quer assinalar que a generalização adversa ao fenômeno é um preceito advindo das sociedades modernas, devido ao extremo consumo feminino durante os cem últimos anos. Diante disso propõe-se uma maior firmação de espaço por parte dos designers de moda, seja essa prática, teórica ou discursiva, para que a profissão passe cada vez mais a ser vista não como projetora de futilidades para distração feminil, mas como um ofício que impulsiona o processo que o design hoje está inserido da mesma maneira que outras atividades projetuais gráficas ou de produto (ou ainda arquitetura, engenharia e artesanato), pois contempla e democratiza com o vestuário e seus acessórios todas as esferas sociais ao agregar à sua funcionalidade as razões do pudor, do adorno e da proteção.

Referências Bibliográficas

CALDAS, Dario. Observatório de Sinais: teoria e prática da pesquisa de tendências. Rio de Janeiro: Editora Senac Rio, 2004

DENIS, Rafael Cardoso. Uma introdução à história do design . São Paulo: Edgard Blücher, 2000.

LIPOVETSKY, Gilles. Império do Efêmero: a moda e seu destino nas sociedades modernas. Tradução por Maria Lúcia Machado. São Paulo: Companhia das Letras, 1989 .

* Diane Lima é aluna do 3º semestre Design de Moda na Faculdade da Cidade do Salvador


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