A MODA FORA DO CASULO

Diálogos entre arte e moda na contemporaneidade

As conexões entre moda e arte são tema de estudo da pesquisadora Patrícia Sant´Anna, doutoranda em História da Arte da Unicamp, que neste dia 24 de outubro, faz palestra na ARTEMODA – Sociedade de Estilo e Cultura. Sob o título “Moda Contemporânea – Conexões entre arte e moda ao longo do século XX, com especial ênfase na contemporaneidade”, a pesquisadora discorre, nesta entrevista ao MB+D, sobre o diálogo existente entre estes dois campos da cultura; fala sobre intervenções e contaminações, processos que têm dado ritmo e dinâmica às criações.

MODA BRASIL + DESIGN: Como se dá a conexão entre Moda e Arte hoje?
Patrícia Sant´Anna: A conexão entre Arte e Moda pode ser verificada como uma via de mão dupla, tanto do universo das artes para o mundo da moda, quanto em sentido contrário. Do ponto de vista da produção, há artistas que são convidados a criar para marcas de moda, como Damien Hirst, que fez para a Levi’s a coleção “The Spin Jeans”. Outro exemplo, no sentido contrário, é o artista que se apropria de roupas – como fragmentos da moda e do corpo – e traz questionamentos sobre a construção da aparência. Ele pode também abordar o tema das nossas percepções e políticas sobre os nossos corpos etc. Sob este aspecto, podemos citar artistas como Louise Bourgeois, Sophie Calle, Rashed Araeen, entre outros. A moda – como fenômeno cultural – também é fator importante como crítica simbólica ao cotidiano de consumo; cito aqui Sylvie Fleury, como a mais pertinente.

MB+D: Como a moda apropria-se da arte?
PS: Temos também estilistas e criadores de moda que fazem experiências tão radicais de criação, com questionamentos – plásticos, sensíveis – tão importantes quanto qualquer artista em galeria ou museu de arte contemporânea. Cito as experimentações de Hussein Chalayan, Viktor & Rolf e Jum Nakao, com seu desfile de roupas de papel.
MB+D: Quando tudo isto tem início?
PS: Desde os anos 60, os limites entre arte e qualquer outro tipo de manifestação sensível praticamente não existe. As contaminações e assimilações são constantes e se retro-alimentam, tornando o pensar crítico uma constante nas áreas criativas, incluindo, sem dúvida a moda.

MB+D: Esta é uma característica da contemporaneidade? Por quê?
PS: Do ponto de vista estritamente histórico, diria que não, já que a moda desde o seu início, nas cortes renascentistas, possui conexões fortes com a arte; mais do que conexões, faz parte deste meio. Por exemplo, Pisanello pinta tanto o Retrato da Princesa da Casa d’Este (1436-38, têmpera sobre madeira, Museu do Louvre, Paris) quanto produz projetos de padrões para estamparia e brocados.
Porém, as conexões hoje não são da mesma qualidade, mas também não são características da contemporaneidade, mas sim da modernidade. Podemos facilmente averiguar isso através das experiências vanguardistas do início do século XX com a moda. A moda – assim como a de coração, o design industrial e a arquitetura – era lócus privilegiado para espraiar novas ideias sensíveis, estéticas no mundo industrial e urbano. A Secessão Vienense, Raoul Dufy e Fortuny, a vanguarda Russa, Sonia Delaunay etc são exemplos diversos de experiências do início do século XX que tentam transformar nossa experiência cotidiana, através da conjunção arte e moda.

MB+D: Há, então, um diálogo entre arte e moda?
PS: Hoje, podemos dizer que, alguns estilistas tomaram para si, ou melhor, tomaram consciência de que sua área de atuação criativa pressupõe ou pode ser também um espaço de debates. E alguns tomam isso como ponto de partida para pensar suas criações, assim como podem travar diálogos – mais ou menos comerciais – com artistas em evidência, e que eles sentem afinidades sensíveis.

MB+D: De que forma a arte tem contaminado a moda, e vice-versa?
PS: De várias maneiras pois, como já disse, existe um tipo de diálogo, uma ação de retro-alimentação em que quando um questiona, o outro consegue rapidamente tomar isso para si, processar e repassar isso em outra linguagem. Afinal, por mais que se alimentem, são propostas de linguagem que possuem suas distinções.

MB+D: Quem são os grandes expoentes?
PS: Acho que não há muitos grandes expoentes, mas há os que estão produzindo o que talvez seja mais pertinente recentemente… Hussein Chalayan é alguém de quem sempre esperamos um desafio; Martin Margiela, Viktor & Rolf, Rei Kawakubo, Yohji Yamamoto, Junia Watanabe, Alexander MacQueen, Issey Miyake, Walter van Beirendonck, e, no Brasil, destacaria Ronaldo Fraga, Karla Girotto, Sommer e o já citado Jum Nakao.

Eleni Kronka
Patrícia Sant´Anna

Patrícia Sant´Anna

Palestra: “Moda Contemporânea - Conexões entre arte e moda ao longo do século XX, com especial ênfase na contemporaneidade”
Ministrada por Patrícia Sant´Anna, doutoranda em História da Arte (Unicamp), Mestre em Antropologia (Unicamp), Bacharel em Ciências Sociais (Unicamp), docente em História da Moda, História da Joalheria, Moda Contemporânea e Joalheria Contemporânea (Universidade Anhembi Morumbi); atuou como curadora de exposições de Moda e Arte no MASP e também como consultora da área de moda do MinC, bem como na área de tendências e consumo de joalheria para o Senai Design SP.

www.artemoda.org.br

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